Leonardo Boff

O Covid-19: não adianta só limar os dentes do lobo (Final)

“Ou vocês decidem deixar de me superexplorar violentamente ou posso lhes enviar mais vírus, até aquele que os seus biólogos mais temem o “Big One”, aquele terrível e inatacável por nenhuma vacina ou outro meio; dizimará vocês como espécie humana; considero tal gesto que me faz sofrer muito, como justo castigo que merecem por terem por séculos, ininterruptamente, movido uma guerra contra a vida da natureza e nunca terem amado e cuidado de mim, sua Mãe que sempre lhes deu em abundância tudo o que precisavam para viver; não adianta vocês amolarem os dentes do lobo que é o sistema devastador que criaram; ele não perde com isso a sua ferocidade que é de sua natureza e continuará sua obra de morte, aquilo que vocês mesmos chamaram de antropoceno e de necroceno; vocês têm que fazer, como disse meu enviado e profeta Papa Francisco, “uma radical conversão ecológica”: tomar de mim o que precisam e não mais, fazer que todos tenham o suficiente e decente para viver com um mínimo de dignidade e dar-me tempo para me autorregenerar e poder continuar como Mãe a alimentar a vocês e sobrar ainda para seus descendentes; para isso vocês têm que reduzir o consumo, reusar o que já usaram e reciclar o que já não lhes serve, pois pode ser útil para outra coisa e principalmente reflorestar todo o planeta, pois são as minhas amadas filhas, as árvores que sequestram o carbono que vocês lançaram na atmosfera e pela fotossíntese lhes produz o oxigênio para respirar, mantém sempre a água no solo, um bem vital, comum e insubstituível e não uma mercadoria, e estabelecerem entre vocês relações de cooperação e não de concorrência, de empatia e não de insensibilidade e superarem as profundas desigualdades sociais que criaram no afã de acumularem em poucas pessoas e deixarem seus irmãos e irmãs passando fome e todo tipo de necessidade até morrerem antes do tempo; assim eu e vocês teremos renovado o contrato natural que vocês romperam, um contrato de mútua relação de cuidado e de colaboração e poderemos juntos fazer uma trajetória feliz, sob a luz benfazeja do grande filho, o Sol; criem juízo e sabedoria, porque sem isso irão engrossar o cortejo rumo à sepultura que vocês mesmo cavaram para vocês; lembrem-se de que não existe apenas o capital natural e material que vocês exploraram até quase ao seu esgotamento; existe principalmente o capital humano-espiritual, feito de amor incondicional, de solidariedade, de compaixão e de abertura de uns para com os outros, sem discriminação e abertura a todas as coisas até ao Infinito de mil nomes, Deus que criou tudo com amor, que não odeia nenhum ser que criou e é o apaixonado amante da vida; abram-se a Ele para serem mais humanos, sensíveis, cuidadores da natureza e de mim mesma e saborearem um sentido maior para suas vidas; fazendo isso, teremos um destino comum bem-aventurado e um mundo aberto para um futuro melhor.”
Ou escutamos estas advertâncias da Mãe Terra e da natureza da qual somos parte e criamos as bases de uma civilização centrada não no lucro mas na vida – uma biocivilização – e uma ECOnomia que se alinha à ECOlogia ou então preparemo-nos para o pior.
Dizem por aí que o ser humano aprende da história que não aprende nada da história mas aprende tudo do sofrimento. Todos estamos sofrendo sob o isolamento social e o distanciamento de grupos. Que esse sofrimento não seja em vão. Não seja o sofrimento de um moribundo, mas o sofrimento de um parto de uma Terra, amada e cuidada como Mãe boa e generosa e que é de fato a única Casa Comum que temos, na qual todos podem e devem caber, a natureza incluída.

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