Leonardo Boff

Bento XVI – Um Papa da velha cristandade (Parte 1)

Sempre que morre um Papa toda a comunidade eclesial e mundial se comove, pois vê nele o confirmador da fé cristã e o princípio de unidade entre as várias igrejas locais. Podem-se fazer muitas interpretações da vida e dos atos de um Pontífice. Farei uma a partir do Brasil(da América Latina), seguramente parcial e incompleta.
Importa constatar que na Europa vivem apenas 23,18% dos católicos e na América Latina 62%, o restante na África e na Ásia. A Igreja Católica é uma Igreja do Segundo e do Terceiro mundo. Provavelmente os futuros Papas virão dessas Igrejas, cheias de vitalidade e com novos estilos de encarnar a mensagem cristã nas culturas não ocidentais.
Com referência ao Bento XVI convém distinguir o teólogo Joseph Ratzinger e o Pontífice Bento XVI.
O teólogo Joseph Alois Ratzinger é um típico intelectual e teólogo centro-europeu, brilhante e erudito. Não é um criador, mas um exímio expositor da teologia oficial. Isso aparecia claramente nos vários diálogos públicos que fez com ateus e agnósticos.
Não introduziu visões novas, mas deu uma outra linguagem às já tradicionais, especialmente fundadas em Santo Agostinho e São Boaventura. Talvez algo novo seja a sua proposição da Igreja como um pequeno grupo altamente fiel e santo como “representação” da totalidade. Não era importante para ele o número dos fiéis. Era suficiente o pequeno grupo altamente espiritual que está no lugar de todos. Ocorre que dentro desse grupo de puros e santos houve pedófilos e envolvidos em escândalos financeiros, o que desmoralizou sua compreensão de Representação.
Outra posição singular, objeto de uma interminável polêmica comigo mas que ganhou ressonância na Igreja, foi a interpretação de que a “Igreja Católica é a única Igreja de Cristo”. As discussões conciliares e o espírito ecumênico mudaram o “é” por “subsiste”. Assim abria-se um caminho para que em outras Igrejas também “subsistisse” a Igreja de Cristo. Ratzinger sempre afirmou que essa mudança era apenas um outro sinônimo do ”é”, o que a pesquisa minuciosa das atas teológicas do Concílio não confirmou. Mas, continuou sustentando sua tese. Ademais afirmou que as outras Igrejas não são igrejas, mas possuem somente elementos eclesiais.
Ele chegou a afirmar, várias vezes, que essa minha posição se difundiu entre os teólogos como algo comum o que motivou novas críticas por parte do Papa. Contudo, ele ficou isolado, pois havia provocado grande decepção às demais igrejas cristãs, como a luterana, a batista, presbiterana e outras, por fechar as portas ao diálogo ecumênico.
Entendeu a Igreja como uma espécie de castelo fortificado contra os erros da modernidade, colocando a ortodoxia da fé, sempre ligada à verdade (seu tonus firmus), como referência principal. Não obstante seu caráter pessoal sóbrio e cortês, se mostrou como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, extremamente duro e implacável.
Cerca de cem teólogas e teólogos, dos mais proeminentes, foram sentenciados seja com a perda da cátedra, seja com a proibição de ensinar e escrever teologia ou, como no meu caso, com o “silêncio obsequioso” Assim nomes notáveis da Europa como Hans Küng, Edward Schillebeeck, Jacques Dupuis, B. Haering, J. M. Castillo entre outros. Na América Latina, o fundador da Teologia da Libertação, o peruano Gustavo Gutiérrez, a teóloga Ivone Gebara censurada, bem como o autor destas linhas. Foram atingidos outros nos USA como Charles Curran e R. Haight. Até de um teólogo já falecido da India, padre Anthony de Mello, foram-lhe proibidos seus livros,além de outro indiano Belasurya.

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