Permanência é condição ou qualidade do que ou de quem persiste. É estabilidade, constância, continuidade, firmeza, perene, eterno, perpétuo. Novembro e seu início sempre levam a refletir sobre a inevitável finitude e o desejo humano pela permanência. Em tempo de evidente triunfo do virtual sobre o real, uma das únicas certezas é a da mudança constante, em que a aparente perenidade do transitório se impõe a tudo o que desejávamos ser longevo, duradouro, eterno, Patrimônio. Particularmente, sempre acabo pensando que a noção de preservação do Patrimônio tem forte relação com a tentativa de resistir à inevitabilidade da finitude. Ao interromper a linha da vida, a morte mostra ao ser humano o que, talvez, seja o maior de seus conflitos existenciais: a finitude de outro como evidência de sua própria finitude. A partir daí, a materialidade de objetos e espaços construídos passam a possibilitar que tentemos nos conectar à pessoa que já se foi. Àquela que morreu. Nosso colecionador/projetista Wolfgang Ludwig Rau encontrou um modo surpreendente de tentar se conectar à (por ele denominada) heroína Anita Garibaldi, mesmo sem ter convivido com ela, em vida. No Gabinete Museológico Rau, fica exposto um fragmento do piso do lugar em que ela morreu, em 04/08/1849, na localidade de Mandriole, região de Ravena, na Itália. Tal fragmento, segundo o próprio Rau, em entrevista, é a peça mais importante de sua Coletânea Garibaldina. É sabido, também, que a tradição de reverenciar (e recordar) a morte de Anita foi iniciada, por Rau, em 1970, o que, do nosso ponto se vista, ainda se mantém, em virtude da permanência de seu legado. No entanto, nesse primeiro quarto de século XXI, a tecnologia tem nos trazido outras possibilidades quanto à permanência na memória dos vivos, para além de objetos materiais. Em conversa com um amigo professor, caminhávamos e, juntos, nos questionávamos se ritos e, principalmente, espaços fúnebres continuariam a existir, no futuro, e chegamos a inferir que, talvez, a rede mundial de computadores passe a ser um “grande cemitério”, já que ela contém nossos registros de vida, os quais, eventualmente, podem permanecer disponíveis, após a morte. Redes sociais já disponibilizam recursos para que usuários possam optar, ainda em vida, pela exclusão de seu perfil após a sua morte, ou pela permanência online, realizando configurações de transformação em memorial e definindo quem será seu “contato herdeiro”. Ao demonstrar sua vontade de memória através de sua permanência na plataforma o usuário delega a outra pessoa o papel de gestor de sua memória virtualizada. Será que, com os atuais recursos de Inteligência Artificial, em constante evolução, seria possível simular uma conversa com quem já morreu? Sem tal resposta, atrevo-me a (tentar) conectar à minha reflexão, um pequeno fragmento da obra de uma importante poetisa brasileira Cecília Meireles. Não apenas pelo fato de sua morte ter completado 60 anos, no último dia 9/11, mas, especialmente, por sua poesia ter sido transformada pelo grupo Madrigal (autor Lucas Fontalva) em composição musical, a qual foi apresentada, durante o evento MILEVE da UDESC Laguna, nesse inesquecível novembro. Nos diz a permanente poesia ceciliana: “Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno e asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada”.
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