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O Adeus à Maria Estelita Barreto

Chegando a nossa Laguna, fomos almoçar no Restaurante da Praça da Matriz. Agora já com a bagagem deixada no hotel dirigimo-nos ao local do velório. Tínhamos viajado desde a capital para aquele sepultamento e durante o trajeto eu contava para a amiga Marilda sobre a bondade e a fecunda vida profissional da professora Maria Estelita Barreto, filha de Águeda e José este, irmão de meu avô Jerônimo. Foram muitas as risadas e as conversas naqueles quase 50 anos de amizade que agora eu relembrava.
Maria Estelita sempre tinha algo a dizer nesta vida, e estar ali no caixão não combinava com ela.
No ambiente quieto da sala mortuária ecoava a voz do amigo Gero Perito que ao violão cantava “onde estiveres agora, nosso bom Deus te guarde…” Nada me faria chorar naquele dia. A querida amiga seria sepultada, mas fiz de propósito, naquele dia não, eu não choraria! E justamente para mostrar a mim mesma e a ela o quanto fora feliz nossa amizade. Eu queria mesmo era celebrar a vida terrena daquela que soube se doar tanto a nossa Laguna. Justo aquela professora que deixara nos vizinhos municípios de Imaruí e Tubarão, tantos amigos . Estudando, lecionando ou resolvendo as questões burocráticas que envolvem a Educação, ela dedicou-se de corpo e alma no seu quase um século de existência.
Aproximei-me do caixão para olhar aquele rosto pela vez derradeira e senti a estranheza que sempre surgia. Diante de entes queridos imóveis, de olhos cerrados, vinha a pergunta a mesma de sempre. Por quê ? Por quê morrem as pessoas? Não parecia ser Maria Estelita que ali, com as mãos envoltas por um rosário, aquietara-se eternamente. Justamente ela que tanto amava o som da música das centenárias Bandas Carlos Gomes e União dos Artistas! Ela se formando inclusive, em violão na primeira turma do Conservatório Lagunense.
Justo Estelita que em entrevista ao Carrossel das Letras, contou da sua felicidade em atuar no teatro e na radionovela com amigos lagunenses na sua juventude. Atividades estas que aconteciam no Salão dos Vicentinos e na Rádio Difusora movimentando as artes na cidade pelas décadas de 40 e 50.
Meus pensamentos foram interrompidos pelas palavras do Pe. Pedro Damázio que iniciava sua homenagem seguido também pelos familiares e amigos presentes. Muito se agradeceu à Fatinha amiga cuidadora que fortemente comovida, estava ali na triste despedida.
A amiga Roberta relembrou o quanto gostava de conversar com Maria Estelita e por vezes compartilhando algum quitute seguiam noite adentro. Os lanches nunca eram preparados por Estelita que era avessa ao fogão, e a outras tarefas domesticas. Ela gostava de trabalhar com gente e com ideias. Neste momento me lembrei da passagem de Jesus pela casa de Marta e Maria. Ele, o mestre dos mestres, disse: “ Marta! Marta! Andas inquieta(…) “Maria escolheu a boa parte e esta não lhe será tirada”. Certamente nossa amiga Maria Estelita durante a vida, comportara-se igual a Marta, a amiga de Jesus.
Logo depois nos dirigimos para a Igreja Matriz onde nos aguardava, o Pe. Itamar Faísca.
A Igreja de Santo Antônio dos Anjos é uma edificação centenária de peculiar beleza, e fôra naquele ambiente que Maria Estelita realizara muito trabalho voluntário. Grande conhecedora da Bíblia e dos ritos da Igreja Católica, era muito procurada para redigir textos, palestrar e dissertar sobre a vida espiritual na nossa paróquia. Sentia-se muito honrada em preparar os altares para as celebrações e fez isto durante anos, onde também foi catequista e ministra da Eucaristia.
Durante nossa longa amizade fizemos muitas conversas sobre livros que trocávamos entre nós. Porém foi num conto lido recentemente que eu tentava encontrar significados para o vazio que nossa amiga deixava. Ninguém menos do que Júlio Cortázar com o seu clássico Axolote poderia nutrir minha alma naquele dia! O famoso escritor na sua arte literária talvez satisfaça por um bom tempo o meu coração. Só uma viagem para dentro do universo pelos olhos de um Axolote num aquário me consolava. Na profunda intensidade de Cortázar era possível o encontro do ser consigo mesmo num mundo silencioso. Era o mergulho para dentro! Era assim que ocorria com Estelita! Era o inexplicável mistério da morte que autofágico, se reproduzia em forma de Paz naquele conto. Entretanto não era exatamente o que ocorria entre os olhares do peixe e do homem no conto de Cortázar que me davam alento. Era pensar que algo maior deve haver além da carne que nos cobre os ossos. Era pensar que Maria Estelita foi feliz e repartiu o pão, era pensar que além do pão temos a arte a nos trazer gôzo para o espírito, arte de Cortázar, arte das nossas bandas, dos nossos atores. Era pensar que a memória do amor também alimenta!
Antes de ser fechada a tampa do caixão os familiares de Fatinha a querida e dedicada cuidadora, fizeram junto com ela sua bonita homenagem formando uma ciranda de flores, lágrimas e palavras de gratidão à amizade e à existência terrena de Maria Estelita..
Chegara o momento final, era preciso leva-la ao cemitério.
Lá ainda uma vez, elevaram-se cânticos de louvor pela vida da mestra e a palavra foi aberta a quem ainda quisesse se despedir.
Algumas pessoas se manifestaram, e o poeta Marcio Rodrigues sabedor da fé que sua prima professava a Nossa Senhora, fez bonitas narrativas. Ele explicou a construção do texto da Ave-Maria realizando um périplo pela História Sagrada. Fez com os presentes um passeio pela Turquia e depois convidou a todos para dizerem em voz alta a prece que milhares de vezes fora rezada por Maria Estelita.
E agora esta querida mestra que se despediu da terra de Anita, município que lhe outorgou o título de cidadã lagunense, está brilhando no firmamento junto nas constelações dos amigos.
Deve estar por alguma esquina do infinito trocando figurinhas com Cortázar. E aquele sujeito, convenhamos, não daria papo para qualquer uma!
(Por Maria de Fatima Barreto Michels)

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