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Duas repúblicas sincronizadas pelo dia 15 de novembro

1839 – EM 15 DE NOVEMBRO A DERROTA DA REPÚBLICA CATARINENSE PROJETOU PARA O MUNDO A REPUBLICANA ANITA GARIBALDI

Embora as origens das ideias republicanas sejam anteriores, foi na Roma Antiga, quando o povo elegeu seu primeiro senado, que surgiram os incipientes mecanismos que compuseram o sistema republicano de governo, voltado para o bem comum, partindo da premissa de que o poder emana do povo, ao inverso de outros sistemas que consagram o exercício do poder à hereditariedade ou ao direito divino. Em outras palavras, república foi a descoberta de um sistema de governo que se opunha às monarquias, às oligarquias, às ditaduras ou a qualquer outra forma cujo poder não tivesse emanado da vontade do povo, normalmente exercidas despoticamente. Com o advento da Revolução Francesa, os ideais republicanos de igualdade, de fraternidade e de que o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido, expandiu-se pelos continentes, sustentando idealistas e confrontos bélicos que visaram implantar a forma republicana em seus respectivos países. Sete dias após um único barco com quarenta soldados republicanos capitaneado por Giuseppe Garibaldi ter tomado a cidade portuária de Laguna, em 29 de julho de 1839 a Câmara de Vereadores proclamou sua separação do Imperio Brasileiro e a “Independência do Estado Catarinense, Livre, Constitucional e Independente”, adotando o regime republicano, que passou a ser conhecido pela história como República Catarinense, tendo sido eleito como presidente o Padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro. Quase quatro meses após, no confronto naval para retomada da Laguna, a Marinha brasileira dispôs de 16 navios de guerra e mais 6 de transporte para bloquear a entrada e a saída do Porto de Laguna, impedindo que a jovem República tivesse qualquer atividade econômica através de seu porto. Enquanto se organizava o governo republicano, Giuseppe Garibaldi, que havia assumido sua defesa naval, tratou de reconstruir o pequeno Fortin Atalaia, que existia na entrada da Barra da Laguna, ampliando sua edificação e equipando-o com alguns canhões, que passou a ser conhecido como o Forte do Garibaldi. Durante os preparativos para prevenir um inevitável ataque imperial, Garibaldi residia em seu navio Seival, que estava ancorado em frente a pequena vila de pescadores, hoje conhecida como Ponta da Barra, de onde, por uma luneta, vislumbrou a figura de jovens mulheres que diariamente subiam uma encosta para buscarem água em uma fonte, tendo uma delas chamado sua atenção. Num determinado dia, afetivamente carente e encorajado, resolveu desembarcar e procurar àquela jovem, mas como ao chegar à praia não a encontrou, aceitou tomar um café na casa de um conhecido que trabalhava na reconstrução do forte. Coincidentemente, quem lhe serviu o café foi a mesma jovem que havia chamado sua atenção pela luneta. Imediatamente indagou que era, e ela respondeu chamar-se Ana Maria de Jesus Ribeiro, mas que era conhecida como “Aninha”, ao que Garibaldi respondeu que em sua língua, o diminutivo de Ana, é Anita, e que ele doravante iria assim chama-la. Ao sair da casa, Garibaldi tomou suas mãos e lhe disse: – Tu deves ser minha. Naquele dia, nasceu a Anita Garibaldi.
Depois de proclamada a República, Catarinense, as divergências ocasionadas entre o Governo Civil e as forças militares entraram em choque em virtude de que a tropa necessitava ser equipada e alimentada de forma urgente, o que estava sendo suprido através de expropriações não muito democráticas, contrariando a formação republicana do Padre Presidente e seu gabinete civil, além do que o gabinete e seu presidente não respondiam com agilidade às autorizações e os meios que os militares necessitavam receber para invadirem as demais cidades catarinenses que ainda estavam sob domínio monárquico.
Premidos pela falta de víveres e de equipamentos motivados pelo bloqueio naval, com o passar dos dias a República Catarinense definhou por falta de atividades econômicas, o que motivou Garibaldi a equipar três navios para abordar navios mercantes do Império carregados com mercadorias. Após conseguir enganar as naus imperiais que bloqueavam a saída do Porto, Garibaldi navegou para o norte, onde após algumas abordagens, apreendeu três navios e suas cargas. Em sua companhia, estava Anita, que havia se recusado a esperar seu retorno à Laguna. Já retornando, foram surpreendidos por algumas naus imperiais, que os obrigou a ancorarem na enseada de Imbituba, onde, no dia 4 de novembro Anita teve seu Batismo de Fogo, ao receber um tiro de canhão que matou dois soldados que estavam ao seu lado, tendo-a jogado à distância e a fez desmaiar. Garibaldi correu para socorre-la, e após recobrar os sentidos, ordenou para que ela se colocasse a salvo e fosse para o porão, enquanto a batalha acontecia, tendo Anita respondido que iria sim, mas para buscar os covardes que lá se escondem da luta, o que de fato fez, trazendo para cima alguns soldados, que vendo-a corajosa e valente, dando vozes de comando e de incitação à luta em plena batalha, dobraram suas energias até que o comandante imperial foi atingido e o ataque cessou, permitindo que na calada e na bruma da noite, os navios republicanos pudessem saírem da Enseada sem serem vistos, regressando à Laguna. Por ora, a República estava salva, mas a reação do Império não tardaria. De fato, no dia 15 de novembro de 1839, a Monarquia acionou sua frota de vinte e dois navios e iniciou a maior batalha naval de sua história em aguas nacionais. Esperando serem atacados, Garibaldi havia disposto seis navios em linha, ancorados ao longo do Canal da Barra, próximos ao Forte que havia construído e mais 1200 atiradores ao longo do lado sul do Canal. Após Garibaldi ter subido uma das montanhas para do alto observar o movimento das naus imperiais, o ataque foi desfechado, tendo Anita disparado o primeiro tiro de canhão, já que ninguém ousou desobedecer o comando que proibia de dispararem enquanto Garibaldi não estivesse presente. Mas distante e impossibilitado de dar início à resistência, por iniciativa própria, Anita deu fogo nos canhões, iniciando a batalha naval que, embora tenha havido um longo combate com muitos atos de heroísmo e de mortes a queima roupa, marcou a derrota e o final da República Catarinense, obrigando Garibaldi atear fogo em seus próprios navios e abandonar Laguna, mas não sem antes Anita salvar descarregando munições e pólvoras das naus em chamas, transportando-as para terra em uma canoa, fazendo três viagens, atravessando o fogo cruzado. Findava o dia 15 de novembro quando Anita, Garibaldi, oficiais e soldados farroupilhas retiraram-se rumo sul, deixando para crepitar nas chamas de seus barcos os sonhos republicanos de igualdade e justiça social. Estava encerrada a República Catarinense, apenas 107 dias após ter sido proclamada. Dos diversos movimentos e conflitos que foram deflagrados em território brasileiro contra a monarquia portuguesa e depois contra a monarquia brasileira, a República Catarinense foi a derradeira tentativa, exatamente e coincidentemente 50 anos antes da República Brasileira ser proclamada. Ironicamente, foram os militares brasileiros que ao longo dos anos, tanto no período do Brasil Colônia como no período do Brasil Imperial, combateram as diversas insurgências republicanas, mantendo pelo direito da força o regime monárquico, que somente foi extinto em 15 de novembro de 1889, quando foi proclamada a República Brasileira pelos militares, então liderados pelo Marechal Deodoro da Fonseca.
1889 – A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA BRASILEIRA EM 15 DE NOVEMBRO
O ato de proclamação da República aconteceu onde hoje está localizada a Praça da República, no Rio de Janeiro, que na época era a capital do Império do Brasil, quando Deodoro da Fonseca, liderando um grupo de oficiais, depôs o imperador D. Pedro II, e assumiu o poder no País e estabeleceu um governo provisório republicano, que se tornaria a Primeira República Brasileira. Portanto, a República Presidencialista Brasileira foi instituída através de um Estado, que extinguiu o regime monárquico parlamentarista do Império Brasileiro, obrigando o Imperador e a família real se exilarem na Europa. Dentre outros, três fatores foram determinantes para os acontecimentos de 15 de novembro:
A- Abolição da Escravatura – Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, libertando os escravos, mas desencadeou um forte descontentamento nas elites agrárias tradicionais do país, que para compensar os prejuízos com a quase paralização do trabalho escravo, reivindicavam do Império indenizações proporcionais ao preço que haviam pago pelos escravos libertados pela Lei. Como não foram indenizados, os proprietários dos escravos aderiram ao movimento republicano, que era até então inexpressivo, deixando de darem apoio político ao Partido Liberal, que era a base de sustentação política do regime Imperial. A história registra que os ex-proprietários de escravos aderiram à causa republicana, não por ideal, mas como uma vingança contra a monarquia. Após a assinatura da Lei Áurea, o Barão de Cotegipe teria dito à Princesa Isabel: – A senhora acabou de redimir uma raça e perder um trono!
B- Dependência Religiosa – Alguns anos antes, os bispos de Olinda e de Belém do Pará resolveram se indispor contra a submissão da Igreja Católica ao Império, fato que os impedia de colocarem em prática as ordens do Papa sem a prévia aprovação do Imperador. Os dois bispos haviam decidido seguir as orientações do Papa Pio IX que havia determinado a exclusão dos maçons da igreja. E os maçons eram uma das bases de sustentação da Monarquia. A bula papal não foi ratificada pelo Imperador, tendo sido determinado a prisão dos bispos desobedientes, que algum tempo depois foram perdoados e libertados, mas o fato gerou um forte desgaste político, já que a Igreja Católica era fundamental à sobrevivência do regime monárquico;
C- Descontentamento do Exército – Os militares do exército estavam descontentes com a proibição, imposta pela monarquia, pela qual os seus oficiais não podiam manifestar-se na imprensa sem uma prévia autorização do Ministro da Guerra. Os oficiais sentiam-se desvalorizados pelo governo civil, com soldos muitos baixos, com promoções muito difíceis de serem obtidas, prevalecendo critérios políticos e não meritórios, sentindo-se desconsiderados, se comparados com a Marinha, que recebia mais recursos e atenções.
Tais fatores catapultaram as ideias republicanas a tal ponto que, no ano que foi proclamada a República, em 1889, existiam 74 jornais e 237 clubes republicanos em São Paulo, Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, províncias onde estavam concentrados os principais apoios aos ideais republicanos. Políticos como Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant, Campos Sales, Prudente de Morais, Júlio de Castilhos, Assis Brasil, entre outros, intensificavam a propaganda republicana. Como referido acima, o movimento de 15 de novembro de 1889 não foi o primeiro a instituir o regime republicano no Brasil, embora tenha sido o único efetivamente bem-sucedido. Até então, muitas revoltas e conflitos já haviam eclodido, embora todos tenham sido sufocados pela força das armas da monarquia:
Em 1789, a conspiração denominada Inconfidência Mineira não buscava apenas a independência, mas também a proclamação de uma república na Capitania de Minas Gerais, seguida de uma série de reformas políticas, econômicas e sociais, mas delatada a conspiração contra a unidade da Coroa Portuguesa, seu principal líder, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi enforcado, decapitado e teve sua cabeça exposta por longo tempo, enquanto que os demais integrantes da tentativa republicana foram banidos do Brasil;
Em 1817, a Revolução Pernambucana foi o único movimento separatista do período colonial que ultrapassou a fase conspiratória e atingiu o processo revolucionário de tomada do poder, com a constituição de um governo republicano, embora provisório para Pernambuco, que durou 75 dias;
Em 1824, Pernambuco, a Baia e outras províncias do Nordeste brasileiro criaram o movimento independentista conhecido como Confederação do Equador, igualmente republicano, considerado a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de D. Pedro I, que contou com a marcante liderança do Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo – o Frei Caneca, que ao final foi executado;
Em 20 de setembro de1835, após tentarem mudar sem êxito o Presidente da Província Riograndense, que lhes havia sido imposto pela Regência de D. Pedro II, os riograndenses, liderados pelo Coronel do Exército Imperial, Bento Gonçalves da Silva e outros oficiais, proclamaram a constituição da República Rio-Grandense, separada do Império, sendo considerado o maior conflito republicano enfrentado pela Monarquia, pois durou cerca de dez anos, sendo encerrado com a assinatura do Tratado do Poncho Verde, que anistiou e reincorporou todos os oficiais revoltosos nas fileiras do exército imperial;
Em 6 de novembro de 1837 aconteceu a Sabinada, revolta separatista que durou cerca de um ano na Bahia, e que tinha como líderes o médico e jornalista Francisco Sabino e o advogado João Carneiro da Silva, que pretendiam implantar a República Bahiense, com duração até que o Imperador Dom Pedro II alcançasse a maioridade.
Em 1839, no dia 29 de julho foi proclamada a República Juliana, que, como vimos acima, teve curta duração, sendo extinta em 15 de novembro de 1839, após os republicanos terem sido derrotados em Laguna, na maior batalha naval que a Marinha Brasileira participou em águas territoriais nacionais. Foi o último evento armado que antecedeu a proclamação da República Brasileira, em cuja batalha se destacou e projetou ao Mundo a emblemática figura da lagunense Ana Maria de Jesus Ribeiro, depois conhecida como Anita Garibaldi, a Heroína dos Dois Mundos, a Mãe da Pátria Italiana.
Como o sistema republicano é o mais justo porque liberta das tiranias e deve ser exercido pelo povo e para o povo, associado ao fato de que Anita Garibaldi é a única mulher que se tem notícia histórica de ter lutado pela instituição de quatro republicas: a República Catarinense, a República Riograndense, a República Uruguaia e a República Romana, neste 15 de novembro de 2019, quando comemoramos o 130º aniversário de instituição da República Brasileira e pranteamos o 180º aniversário da derrocada da República Catarinense, é nosso dever reverencia-la como A Guerreira das Repúblicas e da Liberdade.
Por Adilcio Cadorin Advogado, historiador, membro do IHGSC- Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e diretor do CulturAnita – Instituto Cultural Anita Garibaldi.

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